Doutorado
Sem título
Janaina Chavier Silva
Propomos para essa pesquisa de doutorado o estudo do espaço em constante transformação nas grandes cidades e, em particular, da/na cidade de Salvador. Da constatação da diversidade de sua materialidade física à observação das narrativas históricas que atravessam o tempo, das dinâmicas cotidianas que regem relações sociais estabelecidas nesse espaço em transformação, buscamos por maneiras de pensar e dizer o espaço urbano contemporâneo que a todo o momento é fragmentado, atravessado por vertiginosas, e muitas vezes brutais, movimentações de terras.
Para evocarmos esse espaço em transformação, fizemos uma escolha ariscada: olhar para o contemporâneo, olhar para a primeira via construída no Brasil, a Rua Chile – porta de entrada para o Centro Histórico da cidade de Salvador – que vem passando, desde início de 2014, por diversas e complexas mudanças. Nos debruçamos sobre o processo de transformação dessa rua, marcado por uma valorização imobiliária que pode ser percebida pela saída de antigos comerciantes devido ao aumento dos valores dos aluguéis, bem como pelas reformas nas edificações históricas, localizadas em toda a sua extensão. Interessa-nos a desestabilização e o tensionamento de enunciados historiográficos e urbanísticos hegemônicos. O futuro prospecta uma rua Chile glamorosa como no passado, porém destituída da variedade de usos e de espaços públicos, pois seu processo de transformação faz parte da construção de uma imagem de cidade a ser internacionalmente comercializada.
Ao deslocarmos por esse espaço-mundo, temos o privilégio de montar um quebra- cabeça constituído de parte de Salvador, camadas de Nova Iorque, fatias de Paris, fragmentos do continente africano… Um espaço que não corresponde a nenhuma materialidade integrada, suas partes estão disjuntas, fragmentadas, espalhadas pelo globo terrestre. Esse “mundo em miniatura” ( Walter Benjamin) que acreditamos ser a rua Chile, contém elementos diversos, parcelas de realidade a serem traduzidas por múltiplas maneiras de pensar e dizer um espaço em transformação.
Pensar determinado espaço é estar inserido em um conhecimento espacial, uma experiência que podemos somar a outras tantas áreas do saber, que vão além da disciplina Urbanismo, nos possibilitando assim indagar os pressupostos da ciência moderna e sua ruptura com outras formas de conhecimento. O conhecimento espacial é obrigatoriamente socioespacial, um híbrido, uma “prática cultural crítica”, um meio de estudo e identificação do mundo e não exclusivamente um caminho de instrumentalização do espaço e do mapeamento de recursos a serviço dos interesses produtivistas, cientificistas e disciplinadores.
Tendo o uso do espaço como ponto central propomos olhar para aquilo que escapa ou é negligenciado como experiência de conhecimento pela objetividade científica, e também para a própria objetividade científica capaz de rotular, classificar, normatizar e impor maneiras de pensar, dizer e produzir o espaço urbano.
Se a cidade não se materializa em um só tempo, é quase que óbvio que não deve ser “contada”, lida ou escrita em um só tempo também. Qual é a escrita da cidade que nos devolve suas múltiplas temporalidades, suas múltiplas espacialidades, sua diversidade? Qual é a escrita da cidade que se faz coerente a sua espacialidade fragmentada, suas diferentes tramas?
Em meio aos textos que lemos, em meio às andanças pela Rua Chile, em meio aos seus fragmentos arqueológicos, em meio à poeira suspensa no ar que nos confunde a visão nos fazendo acionar outros sentidos, lançamos mão de uma hipótese que nos ajuda a pensar nas perguntas a cima. Nossa hipótese trás Walter Benjamin, mas um Benjamin que está pensando e escrevendo sobre uma política do espaço, algo que ele fez com maestria (ou seria artesania?), ao falar sobre as cidades de Moscou, Berlin e Paris, em seus textos/livros/artigos – Diário de Moscou, Rua de mão única e Paris capital do século XIX. Nossa hipótese é que Benjamin faz desses escritos uma “tradução do espaço” (um processo escavatório?), abrindo lacunas espaciais com sua narrativa fragmentada, deixando emergir imagens (de pensamento) complexas, sobrepondo diferentes disciplinas do conhecimento (história, urbanismo, literatura…) e trazendo à tona, dessa maneira, o pensamento de uma época, tendo como ponto central a cidade, o espaço em transformação. Pensar, olhar e dizer a Rua Chile a partir dessa hipótese é uma tentativa de deixar emergir as interrupções e descontinuidades dos processos urbanos que a primeira rua do Brasil vem sofrendo desde de 2014.
Palavras-chave: Fragmento. Rua Chile. Intervenção urbana.
ORIENTADORA
Paola Berenstein Jacques
PERÍODO
2015-atual