Doutorado

Salvador – óbvio e obtuso: a construção da cidade no campo da experiência, narração e memória

Agnes Cajaiba Viana

Na história da humanidade, seja na era paleolítica, medieval ou na contemporaneidade, sempre houve o desejo e a necessidade de apreensão do espaço, bem como representação ou narração de conexões da vida cotidiana, trajetos, histórias vividas no espaço. A fotografia, assim como os mapas, foi um meio muito utilizado para desbravar e fazer ver o mundo, porém com o tempo os mapas foram sendo construídos cada vez mais de um ponto de vista distanciado, celestial, enquanto a fotografia foi deixando aos poucos um entendimento moderno de objetividade e representação do real para tratar de visualidades e construções de imagem.

Dificilmente encontramos mapas oficiais que deem conta de hábitos, relações, dimensões culturais ou do cotidiano. São mapas totalizantes que comprimem, sintetizam o que está sempre em processo, o que é múltiplo. Alguns autores, como Michel de Certeau (2014) e Milton Santos (2011) propõem uma alternativa à essa visão oferecida pelos mapas estratégicos. Seria a visão daqueles que estão dentro da cidade e a praticam ordinariamente, “cujo corpo obedece aos cheios e vazios de um texto urbano que escrevem sem poder lê-lo. Esses praticantes jogam com espaços que não se veem; tem dele um conhecimento tão cego quanto no corpo a corpo amoroso” (CERTEAU, 2014, p. 159). Esse estado vagueante possibilita a construção de mapas a partir da vivência na cidade, provocando encontros, novos sentidos para percursos, outras percepções do entorno e deslocamentos poéticos. Mais que linhas conectando pontos de partida e chegada, seria possível, então, criar dispositivos de interlocução e mediação na vida cotidiana.

O interesse deste projeto passa pelo campo da percepção a partir das considerações de Merleau-Ponty, da proposta de cartografia afetiva de Suely Rolnik, a fim de ver não somente com os olhos, acreditando que assim seja possível evocar as multidimensões da experiência urbana. A conexão entre o corpo da cidade e o corpo do sujeito que ali habita será desenvolvida a partir do autor Michel Certeau através do pensamento do lugar praticado, pelo qual define o ato de caminhar como prática que efetiva, atualiza e subverte o sistema urbano. Deste modo, a cidade é formada pelos percursos que nela se realizam. Há o desejo de trazer uma experiência onde coexistam elementos das artes visuais, da etnografia, da arquitetura em uma aliança rizomática em que estes campos se movimentam entre si. A arte contemporânea traz na sua agenda uma conversa entre múltiplos campos e nos últimos anos diversos artistas têm se apropriado de métodos da etnografia para desenvolver seus trabalhos em processos de “etnografia espontânea” ou “sensibilidade antropológica” (ALMEIDA, 2013). No que diz respeito a fotografia, a autora Sylvia Caiuby (2015) a defende como uma ponte entre conhecimento, informação e arte ao conectar aspectos do visível e do invisível, criando um “terceiro espaço”.

O presente projeto busca, portanto, indagar e investigar a cidade de Salvador, as pessoas que aqui vivem, costurando relações entre sujeito e lugar através da fotografia, das lembranças e dos esquecimentos. A fotografia tem a capacidade de produzir mundos e, portanto, me interessa investigar imagens da história oficial de determinados bairros de Salvador a serem escolhidos durante a investigação, bem como de arquivos pessoais de moradores destes bairros, para então produzir com estes moradores outras imagens nos utilizando da deriva situacionista como metodologia. Desta forma, pretendo entender as mudanças da cidade no tempo e como construímos a cidade ao vivenciá-la. As fotografias e relatos dos moradores organizadas em uma proposta de livro-mapa trarão uma nova possibilidade/ arranjo da memória, criando outras possibilidades de cidade no mesmo desenho urbanístico. Com isto, pretendo instaurar um campo de experimentação prática e teórica para produzir atravessamentos e costuras entre teoria, metodologia, sujeitos e cidades possíveis. A realização do livro-mapa proposto nesta investigação parte do desejo de criar uma “narrativa errante” (JACQUES, 2012) de experiência de cidade que possa “agrimensar, cartografar, mesmo que sejam regiões ainda por vir” (DELEUZE; GUATTARI 1996). Os mapas produzidos por Debord no contexto situacionista, artistas caminhantes como Sophie Calle e Marina Abramovic, as proposições de Yoko Ono e Francis Alys me servem como referência, bem como as ações do coletivo Poro, a produção literária de Calvino, Breton e Perec.


Palavras-chave: Palavra1. Palavra2. Palavra3.


ORIENTADOR

Francisco de Assis Costa


PERÍODO

2019-atual