TFG
CORPO-EXPERIÊNCIA ou experiência errante incorporada // o estranhamento pela cidade enquanto possibilitador da criação de espaços outros
Júlia Dominguez da Silva
Pensando na errância enquanto manifestação no espaço urbano que tensiona, vai de encontro, profana o uso ao qual foi planejado (JACQUES, 2014), trago a experiência errante como proposição movimentadora dos espaços e existências.
Através das narrativas errantes seria possível apreender o espaço urbano de outra forma, pois o simples ato de errar pela cidade cria um espaço outro, uma possibilidade para a experiência, em particular para a experiência da alteridade. (JACQUES, 2014, p. 31)
Muito foi refletido sobre como estamos inseridas numa sociedade anestesiada, com experiências esterilizadas (JACQUES, 2014) e corpos com poros enrijecidos, fechados, com características esquizóides (LOWEN, 1979), podendo chegar a experiências de despersonalização.
A perda completa do contato com o corpo caracteriza o estado esquizofrênico. […] Por outro lado, o indivíduo esquizóide sabe que tem um corpo e possui, portanto, orientação no tempo e no espaço. Mas, uma vez que seu ego não está identificado com seu corpo, e não o percebe de maneira viva, ele se sente desligado do mundo e das pessoas. […]
A confusão de identidade caracteriza a maioria das pessoas em nossa cultura. Existem muitas pessoas que lutam com um difuso senso de irrealidade em relação a si próprias e suas vidas. (LOWEN, 1979, pg. 16 e 17 – grifo nosso)
Reflexões acerca dessa temática serão desenvolvidas pelo psicanalista Alexander Lowen em seu livro “O corpo traído”, defendendo que, diferente do tempo ao qual Freud está inserido, onde o “problema psíquico ‘típico’” era a histeria, no mundo moderno seriam as características esquizóides (MAY apud LOWEN, 1979, pg. 17), que perpassam pela dissociação entre estados do corpo, sendo assim, não integralizado e entendido de si. Lowen diz que a alienação acometida às pessoas do mundo moderno faz com que nos apeguemos à imagens, símbolos, elementos descolados de nossa corporalidade e realidade.
Em “Esferas da Insurreição”, Suely Rolnik fala sobre estratégias de combatimento ao inconsciente colonial-capitalístico (ou cafetinístico) que se apropria da nossa pulsão vital, nos tornando seres cafetinados, inertes, e uma das formas de combater essa lógica estrutural e opressora é, primeiro, tomando consciência da mesma e em um esforço coletivo de reapropriação da nossa potência, construir o que se entende enquanto o comum (ROLNIK, 2018).
Há de se buscar vias de acesso à potência da criação em nós mesmos: a nascente do movimento pulsional que move as ações do desejo em seus distintos destinos. Um trabalho de experimentação sobre si que demanda uma atenção constante. (ROLNIK, 2018, p. 37)
O processo proposto é o de preparação de um corpo-experiência, de retomada da pulsão vital, de assumir, dentro do possível, o refugo, o estranho, tateando um caminho de dar luz às potencialidades sequestradas dos espaços públicos, entendendo que corpo e cidade são indissociáveis em sua experiência compartilhada.
talvez […] estejamos vivenciando hoje um processo, uma busca hegemônica, de esterilização da experiência, sobretudo da experiência da alteridade na cidade. O processo de esterilização não destrói completamente a experiência, ele busca sua captura, domesticação, anestesiamento. A forma mais recorrente e aceita hoje desse processo esterilizador faz parte do processo mais vasto de espetacularização das cidades e está diretamente relacionado com a pacificação dos espaços urbanos, em particular, dos espaços públicos. A pacificação do espaço público, através da fabricação de falsos consensos, busca esconder as tensões que são inerentes a esses espaços. (JACQUES, 2014, pg. 22 – grifo nosso)”
Referências
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos Errantes – 2. ed. – Salvador: EDUFBA, 2014.
LOWEN, Alexander. O CORPO TRAÍDO. 5. ed. São Paulo : Summus 1979.
ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição – 2 ed. – São Paulo: n-1 edições, 2018.
Palavras-chave: Errância. Experiência Urbana. Corpo. Estranhamento.
ORIENTADORA
Paola Berenstein Jacques
PERÍODO
2022-Atual